terça-feira, 24 de novembro de 2009

QUARTETO DE AMOR


O teu nome não mora num dicionário. É a única palavra escrita no cimo das águas, na copa das árvores e na imensa escuridão das florestas. Dela se veste o poeta, eterno morador. O teu nome é o parto mais difícil da humanidade: Amor.
Tu és o som desse quarteto de letras.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

TONS de AMOR


Tenta pintar um mundo bom numa tela dentro do Ser. Colori-la com a cor que cada sonho tem: lutar num mundo, sem tréguas, com a espada fria que mora no desejo quente de Ser o colo de alguém. Encetar riscos numa folha por preencher: folha à espera de crescer ou de quem lhe dê o ser. Cada dia que passa um novo risco hás-de fazer, inaugurando linhas, tortas ou descosidas, ao árduo saber viver.
E na passagem dos dias erguerás estátuas de Sentir, envolverás o teu amar com laços de cetim tentando acalmar o desejo, indigência do sentir, nesta frequência etérea que és.
Farás das sombras, ecos do teu Ser e das vozes que te assombram gestos de bem-querer. Procurarás os becos onde o amor, um dia, se escondeu e de ti se perdeu e nas linhas que o tempo descoseu erguerás o mais belo lugar teu. Guardarás uma âncora de sentidos para que neles um colo qualquer se possa demorar e saiba bem ficar. E na noite serás um oásis perdido num deserto que libertou sentimentos que atam mas não prendem porque quem é proprietário de verdadeiro Sentir jamais hipoteca o amor.

Ainda que sob a forma de tons possas o Amor partilhar. Porque o nobre amar ata, sem nunca prender; liberta como quando se olha uma pintura, dentro do ser, com os olhos do Sentir, nesse lugar de sonhos: coração, folha dos Tons de Amor.

domingo, 19 de julho de 2009

BRISA

Pudesse eu viver outra vida que não esta e já depois de a ter vivido regressar a esta vida sob a forma de brisa que toca a estátua da cidade: acariciando-a com saudade; emociona a viúva: com a abertura do baú das recordações; alegra o arlequim: ávido de sentidos que julgava perdidos ou tão-somente simples brisa desconhecida e anónima que passa nessa enorme praça (vida) entre os demais.
Brisa que se demora no vestido branco deixado na cadeira do jardim que hoje visito, depois de vivida outra vida: vestido de fina cambraia cujas rugas o tempo tatuou como quem tatua corpos famintos e sequiosos de identidade. Como mãos de artista nas vielas estreitas dos instantes de prazer assim a Brisa se demora na tatuagem de cada vinco do vestido há muitos anos abandonado.
Uma brisa que deixa o sabor das emoções de tantas outras vidas, vividas ou sonhadas: realidade ou ilusão dos que se cruzaram na mesma estrada que eu e nos que viajavam, na mesma vida que a minha, em contramão.
São enlaces tudo o que a vida nos oferece. Rostos de dor ou de amor, corações do tamanho da algibeira de cada Sentir. São caminhantes de um mesmo percurso, filhos de um mesmo enleio que nos enguiços da mesma fortuna buscam o Ser do Sentir nas diferentes vidas.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

CIRANDA DA VIDA

“Passem-se dias, horas, meses, anos. Amadureçam as ilusões da Vida. Prossiga ela sempre dividida entre compensações e desenganos.” in Soneto de Aniversário, Vinicius de Moraes

Pintaram as cadeiras, coloriram o chão: o vazio continua.
Partiu o poeta com as cores de azul. Já não há poesia da cor do mar.
Partiu o mestre cirandeiro: ficou o meu pesar.
De cada vez que uma nuvem toca as ondas do mar sinto as percussões de uma dança: a última.
Dança sem par.
Dança sem lugar.
Dança do amante sem par.
Dança do ausente.
Já não há novos hinos: entoem-se os antigos.
Ergam-se vultos: sombras anónimas e sem cor. E do pálido brote um sorriso: hino ao Amor.
Festejem o dia que um Anjo subiu ao céu
e outro ficou na Terra: sem dança, sem par, sem lugar.
Festejem nesta ciranda da Vida: ouçam os versos daquele que o Amor cantou
e ao céu, azul, subiu numa dança sem par
para o seu legado nos ofertar.

Vinicius de Moraes 19 Outubro 1913 / 09 Julho 1980

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Do Outro Lado do Amar

E se pintássemos o Sol de outra cor?
E se de todas as hipóteses retirássemos uma única certeza.
E se de todas as cores que há no mundo não houvesse uma tão perfeita
que não permitisse nem ao pintor nem ao poeta
pintar a palavra Amor
E se o Sol abraçasse a Noite com vontade de querer
um momento tão perfeito
que nem todos os Anjos da Terra pudessem desvanecer…
Tu e eu continuaríamos – ainda que entre tempestades e vulcões em erupção – a pintar
numa tela apenas a palavra Amor.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Cais das Ilusões

Visita o cais das ilusões nessas arcadas do Tempo
Destapa os teus braços
Deixa que voe o pensamento.
Quem pensamentos encerra em si
Fecha gavetas à emoção.
É naufrago da Vida,
Ou simples viajante em contramão.
Deixa que a vela que te acompanha, nunca esmoreça
E que esse vale que a poucos mostras
Jamais o nome maior esqueça…
Saibas que há Vidas desencontradas, histórias que pedem autor… Mundos de encantos verdadeiros onde o dono dos sentimentos comanda a lei do Amor. Acaso viste passar por ti, nessa estrada da Vida, o Grande Rei e teu Senhor? Espreita. Não temas! Abre o coração para o que está ao teu redor porque quem semeia pensamentos e guarda em si sentimentos, colherá fruto com sabor.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Foz: dentro de nós.

Não podemos dizer: “- Aquela pessoa é o demónio.”

Ninguém pode dizer isso de outro. Mas podemos dizer: “ – Às vezes o demónio habita certas pessoas, apodera-se do Sentir como um louco num castelo: tudo é tão grande. Tudo é imenso. Tudo o que não tem valor. Porque todas as coisas pequenas são sementes que brotarão num instante qualquer.” Tudo depende do Sentir e do Ser que enclausura sentidos em si. E às vezes o demónio visita os corpos no auge da solidão. Tirano e enganador vem de mãos dadas e coração aberto com o Tempo: um diabo reconhece e convida sempre outro, quer seja menor ou maior é um demónio. Um demónio nunca passa disso: alimenta-se toda a vida de ódio e pujança.
Às vezes encerramos mundos no mundo que somos, nós… Às vezes cicatrizam as feridas sem a ajuda de pós… E há vezes em que deixamos que morra um bom pedaço da voz que temos em nós.
Tudo isto porque às vezes há vezes em que nos sentimos sós. Mesmo quando somos do rio, a foz.

terça-feira, 12 de maio de 2009

OFICINAS de Escrita e Animação Cultural



Oficinas de Escrita e Animação Cultural
- 19 de Junho a partir das 21h30: OFICINA DE ESCRITA PARA ADULTOS:

“Escrita de baú: escrita de imagens ou imagens escritas?”

- 27 de Junho a partir das 15h00: OFICINA De Animação e Escrita Infanto-Juvenil:
a)Animação Cultural (malabarismo e outras técnicas de arte circenses); apresentação de figuras do “real imaginário”: ao serviço dos Sentidos. Realizada por Ruídos - Laboratório Humano De Artes.
b)Oficina de Escrita: “Os SENTIDOS DOS SENTIDOS”.

Coordenadora das Oficinas de Escrita: Sandra Ferreira

Coordenadores da Oficina de Animação Cultural: Ruídos - Laboratório Humano De Artes.

Local das Oficinas: Velha-a-branca, estaleiro Cultural- Braga

http://www.velha-a-branca.net/

(Agenda dos eventos disponível em Junho 2009).

quinta-feira, 7 de maio de 2009

A lágrima: vida.

“Um sorriso no retrato, uma lágrima lá caída era tudo tão perfeito. Era amor verdadeiro. O sentimento de revolta nasce dentro do meu ser. Porque foi que me deixaste? Onde foi que errei?”
“O riso, uma lágrima: o espelho no olhar…”
Outra vez (dava tudo), Dialectos

Há um vale escuro onde mora a dor que todos visitamos, quando um ente querido leva consigo uma lágrima que nos pertence e parte. Encetamos vidas imaginadas, vamos para lá do bem-querer só para ter a lágrima no seu lugar, outra vez! E abraçamos a Noite. Vamos para lá do anoitecer. Fingimos saber voar, saber ser. Esquecemos o nosso tempo dentro do Tempo. Morre a miséria que habitou em nós.
Deixamos de ser caminhos e passamos a ser lugares: únicos e perfeitos onde o Tempo não mora, onde a saudade não se demora. E deste Sentir que tudo ofusca deixamos a companhia das sombras, abandonado fica o vale escuro: sombrio beco onde a entrada é saída. A partir do abandono da dor – já depois de sentida e vivida – estamos no nosso momento, no nosso rumo, na nossa realidade: somos a “origem do pensamento”: testemunhas da felicidade.
Começamos a viver: soltamos os ecos de um passado, largamos as amarras ao pensamento e voamos dentro dos lugares que hoje somos: pequenos frutos colhidos nos caminhos que outrora fomos e tivemos de percorrer.
“Quantas vezes olhas para trás à procura de um sinal. Quantas vezes és capaz de enfrentar o mal? Alguma vez viste o mar? Sem saber para onde ir? Alguma vez viste o sol sem vontade de sorrir?”
Então, muito tempo volvido dentro do Tempo, aprendemos a melodia no Luar, aprendemos a “esquecer o próprio tempo”e damos valor às frases, muito mais do que frases, quando sabemos a origem do nosso pensamento, seguimos no nosso mundo, damos tudo outra vez ao fazer voar: o que em nós estava esquecido ou, tão-somente, perdido.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Maria Lírio

“Tu és como uma terra que ninguém jamais disse.” Cesare Pavese

A manhã
é um rio
que corre em segredo: naquele que ama.

E tu és o Lírio de água,
doce
e
singelo,
que dá nome às coisas.

Um dia não haverá mais humanos: o mundo vivo terá morrido. Todas as bolas de sabão: sonhos vividos ou sonhados terão sido pouca coisa – pura ilusão!
Esta é a decadência do Ser. O túmulo dos sentidos.
Morre, lentamente, o Ser quando tem tudo para viver – paradoxos da insatisfação.Onde vive o abraço da ternura? O gesto da amizade? O olhar de cumplicidade? O nada do Sentir? Onde pára o encanto?
Vazio. Muito vazio. Encheu-se o vazio. Vazio imenso. Infinito.
Assim caminha o Homem, pouco humano, cada vez mais só. De mãos dadas com a solidão, na estrada oca do vazio.
Ao seu lado vão os sonhos que não encontraram estrada, chão que não deu uvas.
Todas as Safiras e Ametistas foram sepultadas. Uma nova Era nasce morta: sem sabor.
Acorda, Homem! Ainda há dias para viver, Terra para pisar, sonhos para regar. Sementeiras para os teus sonhos acolher. Basta-te apenas querer. Querer Ser. Ousar Sonhar. Frutos colher.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Taça das PALAVRAS

“Lugar, não há algum, vamos para trás e para a frente, e nenhum lugar existe.” Santo Agostinho

Escolher meia- dúzia de palavras para pintar o teu retrato dentro de mim. Baptizar todas as palavras com nomes nunca antes pronunciados. Utilizar a única geografia: a do Sentir. Vestir cada palavra com os sentidos que a Alma esconde. Guardar cada palavra nesse retrato como um tesouro cuja chave guardo em mim.
Pintar retratos?
Hoje sei que desvendar caminhos onde essas palavras poderiam um dia ter passado: não existe. Descobri que não há lugar para as tuas palavras, mesmo as tuas palavras que vivem em mim.
Verificar que os sentimentos nunca podem vestir palavras vãs: uma verdade, dor.
Mas tu, Semeador, continuas, sem pressas e sem par. E cada semente que lanças à terra será a palavra nas mãos daquele que ousa Sentir. Tudo o que germinar será Dor ou Amor porque lugar certo e único não há algum. Nesta rota da vida vivida caminhamos descalços ou com sandálias de ouro: vamos para trás e para a frente de mãos dadas com a Alegria e a Tristeza – as únicas irmãs da Certeza.
E é de gelo o conteúdo dessa taça dourada, cálice da vida! E o gelo que cai pela madrugada ao teu coração vai voltar para que sintas essas lágrimas que um dia derramei pelas palavras que chorei e em ti não encontraram lugar.
Hoje, muitos anos volvidos num só dia, sei que há palavras anãs. Continuo a escolher palavras para te pintar. Hoje, já não escolho palavras pares…
E nessa taça dourada está o retrato que um dia pintei: não com palavras mas com lágrimas.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

ECOS

“O meu amor da vida está paralisado pelo teu sono. É como a ave no ar veloz detida/ Tudo em mim se cala para escutar o chão do teu regresso.” Sophia de Mello Breyner Andresen
Aos que inauguram Sonhos em nós,

Não sabendo como dizer-te o que calava em mim: chamei-te. Como se chama – delicada e sorridente a forma de pegar nas águas do mar – um amor. Chamei-te como um som acabado de nascer. Um eco que o tempo não guardou: desconhece. Chamei-te e choveu: houve chuva. Muita chuva. Choveu tanto. Tudo molhou.
Choveu sobre a pedra por esculpir e o Vento que nela bateu, desenhou um violino e o som da Chuva tornou-se melodia, neste silêncio da Paixão – ecos do Amor.
O Vento bateu na pedra: desenhou um corpo frio. E mais tarde, muito mais tarde, nasceu o Poema. Tudo por te ter chamado e por ter chovido: um dia. O dia em que chamei por ti e choveu.
E a Chuva dispersou o que calava, tanto, em mim.
Nessa noite: na Noite do dia em que soltei a voz e a entreguei nas mãos do Vento para te chamar, morri. Morri muitas vezes à espera de um Sonho que viesse de repente, me levasse até ti e às escuras dançássemos os dois: numa noite sem luar.
Nessa Noite morri. A minha herança entregou-ta o Vento: o desejo de te falar.
Saibas a minha voz, levada até ti nas mãos do Vento, guardar. Só desta forma o meu Ser poderá para sempre repousar.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Os dias escuros

“Uma pausa, hoje em dia, tem o nome de Morte. (…) A pausa, a espera – como estás longe Eurídice!” Luís Carmelo

Amanheceu escuro. Estranho dia: a noite não se despediu. Não há lágrimas: hoje o orvalho não namorou a Aurora matinal. Estranho dia: o dia não nasceu igual. Dia desigual.
Amanheceu escuro. Tão escuro.
Ao meio-dia, escuro. Muito escuro. A tarde, escura. Sempre escuro. A noite, escura. Sempre tão escuro. Muito. Estranho dia: o dia não nasceu e a noite não morreu.
Um infinitivo: Ser. Um tempo: presente mais-que-presente. Na primeira pessoa do singular: Sou.
Sou o escuro que não desapareceu: o dia que não nasceu e a noite que não morreu.
Sou: respiração crepuscular, descida íngreme. Sou a noite escura do dia, por Ser. Sou. Apenas sou.
Sou a pausa do dia e da noite. Pausa à espera de Ser.
A vírgula entre a noite e o dia.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

PECADO CAPITAL


“A vaidade dos outros só vai contra o nosso gosto quando vai contra a nossa vaidade”.
Friedrich Nietzsche

Não, não é a vaidade no Amor: é a última palavra de Os Lusíadas de Camões.

segunda-feira, 30 de março de 2009

O HERDEIRO DE MEDUSA

“O amor é o sangue do sol dentro do sol. Algo dentro de qualquer coisa profunda.”
Uma casa na escuridão, José Luís Peixoto
À noite quando todos dormiam ouvi um piar de mocho: anunciou-me a tua queda. Cansaste-te de procurar o Amor, Anjo caído?
São três as ninfas que te seguram nessa imensidão escura que agora és. Do outro lado do rio subterrâneo que às vezes tenho dentro de mim é dia, os Anjos cantam: um chora. Apenas um. O Anjo que chora por ti. É um Anjo na Terra, Anjo de pedra – herdeiro de Medusa.
É de pedra o Anjo que não sente o teu toque, que não sibila o teu saber, que não enche o teu ser. E são de ouro as lágrimas do Anjo que chora – chora por não ser a pedra que te segura nas quedas. Chora por ser a pedra que te tirou a Vida, Anjo caído. Chora por ter nascido do sangue que o herói fez jorrar. Chora pela incapacidade de amar. Chora por herança: a infelicidade de mãe: incapaz de uma só vez o olhar.

E cada vez que o Anjo cai modifica-se a pergunta: deixa o Homem de perguntar: “Quem sou eu?” e passa a perguntar: “O que eu não sou?”.

quarta-feira, 25 de março de 2009

RETRATO


“Era como se a noite toda existisse e descesse sobre aquele corpo que era o centro do mundo.”
Uma casa na escuridão, José Luís Peixoto

Era um sábio: sabia viver. Vivia muito. Todos os seus gestos tinham Vida. Vivia mergulhado nas coisas simples. As coisas grandes da Vida guardava no olhar. Recebia todos os que com ele se cruzavam, de mãos abertas: partiu com o coração cheio de nomes. Não passamos de nomes, números na palma da mão, de alguém ou de ninguém: somos retratos. Somos imagens no jardim do outro.
O Tempo ensinara-o – a mim também – a apreciar um gesto do galo, uma pena de pássaro no chão, um lagar cheio de uvas e a dor das mãos sem autor, mãos vazias, de nomes ausentes.
Um dia gostava de ser como ele: modesto no trajar, humilde no ser, moderado no falar, bom ouvinte mas muito pecador. Dizia-me sempre que um grande Homem tem de ser muito pecador: só ao pecar será o Homem capaz de errar e o valor às coisas grandes da Vida dar.
Todo o Homem sábio é um pecador: poeta da dor, Anjo do Amor ou simples retrato guardado na palma da mão.

terça-feira, 24 de março de 2009

OS ESTRIBILHOS DO TEMPO: DIAS.

“O dia podia nascer, os pássaros podiam cantar, que, para mim, o tempo tinha parado num tempo de noite e de morte".
Uma casa na escuridão, José Luís Peixoto

Um dia o Tempo permitiu que te baloiçasses em mim de braços abertos: nasceu uma tela de cores imperfeitas. Desenhou o escritor – com emoção e sapiência- letras imaturas. Fui andarilho nas mãos do Tempo: vivi. Hoje, o que resta de mim são pedaços de um modo indicativo, no tempo pretérito imperfeito. E, soltam-se as asas da emoção; voam pássaros pelo infinito, todas as penas que caem no chão são estribilhos de um dia. De um só dia. Ou de alguns dias menores. Poucos. Raros.
Sou nas tuas mãos um estribilho, bordão imperfeito; palavra repetida. Somos palavras de um mesmo texto: incompleto. Somos estribilhos do Tempo: dias. E, a Estrige negra e opaca levou os dias maiores para o Estígio: foram sete as voltas e nós dentro delas, como uma espiral.

Ao longe ecos dos estribilhos do Tempo: resquícios dos sentidos esquecidos: primeira pessoa do plural.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Galhos do Tempo: dias.

“Vestiram-no de púrpura e, tecendo uma coroa de espinhos, lha puseram na cabeça.” Marcos 15:17
Uma entrada: sem chave. Porta aberta: escancarada pelo Tempo. Porta colocada, pelas mãos do Homem, numa parede revestida pela Natureza: verdes muros, esperança. Escadas deformadas por mãos pouco hábeis. Escadas que os pés hão-de pisar: chão de uvas.
A companhia das folhas secas: intempéries dos Dias menos frutíferos. Gestos verdes e castanhos: Vida. Estágios, etapas, fases: Vida. Superfície escabrosa. Os dois lados: Vida e Morte. Sombra. Sol. Galhos do Tempo. Escadas de duas Rosas.

Coroa de Espinhos: Vida. Escadas: ceptro de Morte, libertação. Início. Galhos do Tempo: dias, Vida.

segunda-feira, 16 de março de 2009

A Voz: nas Vozes.

“Tudo é último. (…) Quando os dias se misturam todos num dia em que é todos os dias. (…) Guardem as lágrimas para um dia de mais alta nomeada.”
Nenhum Olhar, José Luís Peixoto

Nas tardes insepultas: dias; todos somos filhos de um grande Amor triste: um dia. Apenas um entre muitos. Apenas um grande Amor entre muitos dias: o dia; a diferença do Amar: a dois. Um em dois: união.
Em ti a pergunta: sem resposta.
A Resposta que vive em mim: em nós.
Somos. Somo-nos – algo sem tempo, sem dias, sem horas – entre a pergunta e a resposta.
Em mim a resposta: sem pergunta.
A Pergunta que vive em ti: és.
És. És: sempre – tu em mim – infinito Ser. És um grito – no tempo, no dia, na hora eterna: noite – entre a resposta e a pergunta.
Em nós a pergunta e a resposta: morte e vida.
A resposta que vive em mim e a pergunta que vive em ti caminham de mãos dadas, entre a Vida e a Morte. Porque tudo é último: não existem perguntas nem respostas. Existe uma voz: nas vozes.
A voz do nós: silêncio partilhado por um eu e tu: cúmplices da cegueira e do olhar.

domingo, 8 de março de 2009

A Anunciação da Morte: Fim dos dias – Noite.

“Disse: chega devagar, mas vem; aproxima-se e será um dia infinito, uma noite eterna, um instante parado que não será um instante; e os assuntos grandes serão menores…”
Nenhum Olhar, José Luís Peixoto

Esperam-te as cores da vida – infinitos tons na tez do Ser, tela do viver - para o teu dia: julgamento final.
Esse véu que todos dias envergaste já nada pode.
Aproxima-se, passos lentos, sem piedade: aquela que te vem ceifar o existir. Já sinto os Milhafres, afugentados – deste vale curto – e com medo: sinto-te Morte. Foi uma rápida visita: a tua. Anunciaste que voltarás, dentro de escassos dias, para mostrar que o negro tudo pode: medo, escuridão, vazio? A Morte exige preparação:

(Confessa-te: na voz do Padre.)
(Parte com um sorriso – não irás só -: na voz do Poeta.)
(Resigna-te aos desejos: despeja-te deles: na voz do Buda.)

Nem o Padre, nem o Buda nem o fingimento do Poeta – tentando ludibriar a morte – sabem que a morte é para ti um desejo: vida eterna – vida para além da vida. Só tu sabes as cores que a tua Alma tem e quem nela queres deixar entrar.
A Morte é um sopro de maresia: alivia as dores dos que nada temem. Daqueles: do tu ou dos muitos eu em ti - máscaras que só tu vês no espelho – moradores na tua Alma: pedintes, navegantes ou meros vagabundos de vidas errantes ou sôfregas que, apenas, desejam Paz.
Eis a Anunciação da Morte pelo Anjo negro: o que te roubará os dias. Prepara o teu Ser: escolhe os nomes que levarás nas mãos, sobe aos pícaros mais altos da Terra: mostra, em vida, a tua dor – partirás mais leve.
(Não te confesses.)
(Não leves sorrisos: solta lágrimas.)

(Não recuses desejos: deseja – sempre – o que mais ninguém ousa desejar.)
Não são vozes que te dirão o que hás-de ou não fazer. Sejas tu mesmo: descalço e com dor, no vale sombrio que te receberá: esquece os outros.
Esperam-te as cores da Vida – infinitos tons na tez do Ser, tela do viver: na Morte.

sexta-feira, 6 de março de 2009

BAILARINA MORTA: és.

“Debaixo da pele, envolvemos as memórias, as ideias, a esperança e o desencanto.” Antídoto, José Luís Peixoto

A Bailarina despiu-se para a primeira dança. Hoje senti a tua nudez: dançavas num livro. Estavas morta: ainda estás. Chora um Anjo a tua morte: descosem-se as linhas do arco- íris. Ágape sobrevoa agora os teus sentidos, os meus sentidos: os teus sentidos em mim. Dormes - no eterno viver – já tão cansada da dança ilusória dos sentimentos náufragos. Quem te pintou o Ser? Quem ousou desenhar-te? Quem se aventurou meter-te no meio dos livros – dançando, apenas, quando uma Alma os toca? Pobre: és pobre. Não danças quando queres. Nem quando o teu interior pede: és marioneta – falsa bailarina – nas mãos de quem deseja tocar nas páginas do que sentiste. As letras são passos de dança, sentidos. Mas só são sentidos os passos, da Bailarina, quando ela dança no seio dos livros: com o seio do seu sentir. Sempre que uma Alma toca a bailarina morta: ela dança, uma dança imortal. Debaixo da pele, nesse sarcófago dos teus sentidos, envolves as memórias de outras danças: o desencanto do não vivido, a ausência dolorosa e amarga do não sentido.
Foram danças de ilusão: as que dançaste em vida – junto de corações errantes.

quarta-feira, 4 de março de 2009

AS PALAVRAS


"Entre duas palavras, escolha sempre a mais simples. Entre duas palavras simples, escolha sempre a mais curta." Paul Valery

Nas palavras: há palavras – sem palavras.

As palavras, nas palavras: das palavras. As palavras sem palavras.
Há quem abra a boca e nos toque com os lábios: soltando palavras – fala. São lábios que convidam a falar: palavras.
Há quem use o carinho das mãos numa folha – à espera de cicio – acariciando a folha com a tinta ou o carvão: desenhando esculturas frágeis ou rudes – escrita.
Há quem nunca tenha pronunciado uma palavra: mudez – mas que as encerre e receba em si – dentro ou fora – como tesouros guardados num baú ou numa gaveta.
Há quem nunca tenha recebido uma palavra: nudez – pouca abertura de espírito, egoísmo ou ausência: corpos nus os que a palavra não chega – sem veste.
Há quem fale quando devia calar: há palavras mudas – ditas no pestanejar mudo de um olhar – e palavras que tocam os céus, quando se tornam gritos: ecos do Ser.
Há palavras comuns: sem privacidade e palavras com identidade própria: partilhadas, apenas, com o eu ou aqueles a quem o eu permite Ser – existir.
Há palavras que só nos pertencem a nós: são-nos bocados, pedaços da nossa identidade. Sublime identidade: a do dono de palavras – as que guardamos em nós: Alma.
A Alma com palavras é um chão de papel – guardado nas pálpebras dos sentidos – pronto a desvendar: com carvão ou tinta, o que a tua imaginação te doar. Ou será antes doer?

Se tivesses que escolher uma só palavra para te acompanhar na Morte – derradeira viagem – qual irias levar?

terça-feira, 3 de março de 2009

OLHAR


“Olhei-a nos olhos porque os olhos eram o sítio por onde ela me via. Tínhamos as mãos dadas, estávamos próximos, mas eram os olhos que deixavam que nos tocássemos”.
Cal, José Luís Peixoto

Já alguma vez olhaste – com olhos de ver para além do Sentir – para dentro de uma mulher, como quando olhas para dentro de ti e percebes o tamanho das palavras que ela te diz – mesmo sem o som da sua voz soltar?
Já alguma vez sentiste outro nome para o Amor, no olhar da mulher?
Já alguma vez sentiste outro nome para a Morte, no olhar da mulher?
Já alguma vez olhaste uma mulher e disseste – sem falar – “Gosto do que se vê e do que não se vê?”
Só podes encontrar o que vês e o que não vês – só tu podes encontrar – se ousares olhar.

Olhar: sempre além do infinitivo verbo – Ser. Olhar: acção de tocar o que as mãos não conseguem aceder.

segunda-feira, 2 de março de 2009

ROSTO

“Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a tua pele.”
Morreste-me, José Luís Peixoto

Se tivesses procurado um rosto durante toda a tua vida e o tivesses encontrado. Encontraste-o. Se soubesses que depois de o encontrar, terias um só dia para continuar a viver – começar a morrer. Que farias com o rosto encontrado? Se te fosse dada a possibilidade de escolheres entre as mãos, o coração ou o rosto e tivesses de voltar atrás nos teus desejos, ainda escolherias - hoje - o rosto?
E se o Rosto te desiludisse? Se cada linha da pele tivesse sido a escrita da ilusão – nas mãos do criador? Partirias com as mãos cheias de tudo ou com o sabor do nada no coração?
Se o rosto que acabaste de encontrar - o teu objectivo encetado – corresponde aos teus ideais projectados na tela da tua existência, durante anos - tempos pretéritos no mais que presente – chega agora até ti: sentes que terás atingido, com êxito, o teu objectivo?
Sentes-te feliz - desconhecendo a felicidade - mas sabes que o teu fim está perto: sempre soubeste que só tinhas um dia de vida depois de teres alcançado esse desejo: vês viver – quando começas a morrer – a pergunta em ti: Será a Morte o ladrão da tua felicidade, o que vem roubar o tempo que possas passar com o teu objectivo? Ou permitir-te-á, a mesma – morte – a abertura de novas portas, ainda que desconhecidas?
E se no último minuto do fim da tua vida - começo da morte - encontrares um rosto perfeito: um rosto maior que o rosto que objectivaste toda a tua vida? Partirás feliz sem o teres sentido, mas por o teres visto – saberes que existe? Que viveu nos limites da Vida e da Morte?

AS NOITES NOS DIAS

“Em cada despedida existe a imagem da morte.”
George Eliot

A Noite não é - para todos - igual.
Há Sonhos - por cumprir - na noite de um olhar: morte.
Há, apenas e só apenas, realidade – cruel - no dia de todos os gestos: vida.

Pedaço de vida: nunca há vida no todo.
Porque nunca o dia casou com a noite: mero cruzamento. Ponto no meio.
Anoitece sempre que um Anjo chora.

Um Anjo na Terra abandonado à sua sorte: separou-o do Amor, a morte.
Demora a chegar o dia sempre que um ente parte desta vida: saudade.
Quantos dias demoram a cicatrizar a ferida que sangra por dentro: dor da ausência de quem parte?
São noites – a ausência.
São dias – o vazio.
São escuras as feridas, mesmo as que vivem nos pedaços da vida: noite.
A noite é um pedaço de vida: pequeno sopro, vazio, imensa escuridão.
A noite é morte.
A vida é ferida.

Cada vez que alguém parte, vai consigo um bocado do Ser de quem fica.
Morre-se aos poucos: vendo cada dia passar e cada noite por findar.
São noites os dias que encontro em mim.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

HOLOCARPO


"O sono é como uma outra casa que poderíamos ter, e onde, deixando a nossa, iríamos dormir." Marcel Proust
“O Sonho é a tentativa de satisfazer um desejo.” Freud
As cobras nunca se despedem.
Vivem na morte: da Morte.
Para a Morte.
Cobras do Desejo: enroscam-se nos sentidos da Alma.
Pedem Vida.
Cobras sem paz,
sem rosto,
sem dono.
Cobras com fome,
com vontade,
com prazer.
Cobras famintas, sequiosas, mal - dormidas
pouco amadas
quase nada: escuro.
Vazio, nada, dor: sentidos ao abandono - cobras do destino.
Medo: muito medo.
Loucura: sem rosto
ausente.
Loucura: Alma carente.
Percorro becos: vazio.
Enceto mundos: perdidos.
Serei a cobra que tens em ti, Holocarpo.
Ou
frase pouco madura.