quarta-feira, 29 de abril de 2009

Maria Lírio

“Tu és como uma terra que ninguém jamais disse.” Cesare Pavese

A manhã
é um rio
que corre em segredo: naquele que ama.

E tu és o Lírio de água,
doce
e
singelo,
que dá nome às coisas.

Um dia não haverá mais humanos: o mundo vivo terá morrido. Todas as bolas de sabão: sonhos vividos ou sonhados terão sido pouca coisa – pura ilusão!
Esta é a decadência do Ser. O túmulo dos sentidos.
Morre, lentamente, o Ser quando tem tudo para viver – paradoxos da insatisfação.Onde vive o abraço da ternura? O gesto da amizade? O olhar de cumplicidade? O nada do Sentir? Onde pára o encanto?
Vazio. Muito vazio. Encheu-se o vazio. Vazio imenso. Infinito.
Assim caminha o Homem, pouco humano, cada vez mais só. De mãos dadas com a solidão, na estrada oca do vazio.
Ao seu lado vão os sonhos que não encontraram estrada, chão que não deu uvas.
Todas as Safiras e Ametistas foram sepultadas. Uma nova Era nasce morta: sem sabor.
Acorda, Homem! Ainda há dias para viver, Terra para pisar, sonhos para regar. Sementeiras para os teus sonhos acolher. Basta-te apenas querer. Querer Ser. Ousar Sonhar. Frutos colher.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Taça das PALAVRAS

“Lugar, não há algum, vamos para trás e para a frente, e nenhum lugar existe.” Santo Agostinho

Escolher meia- dúzia de palavras para pintar o teu retrato dentro de mim. Baptizar todas as palavras com nomes nunca antes pronunciados. Utilizar a única geografia: a do Sentir. Vestir cada palavra com os sentidos que a Alma esconde. Guardar cada palavra nesse retrato como um tesouro cuja chave guardo em mim.
Pintar retratos?
Hoje sei que desvendar caminhos onde essas palavras poderiam um dia ter passado: não existe. Descobri que não há lugar para as tuas palavras, mesmo as tuas palavras que vivem em mim.
Verificar que os sentimentos nunca podem vestir palavras vãs: uma verdade, dor.
Mas tu, Semeador, continuas, sem pressas e sem par. E cada semente que lanças à terra será a palavra nas mãos daquele que ousa Sentir. Tudo o que germinar será Dor ou Amor porque lugar certo e único não há algum. Nesta rota da vida vivida caminhamos descalços ou com sandálias de ouro: vamos para trás e para a frente de mãos dadas com a Alegria e a Tristeza – as únicas irmãs da Certeza.
E é de gelo o conteúdo dessa taça dourada, cálice da vida! E o gelo que cai pela madrugada ao teu coração vai voltar para que sintas essas lágrimas que um dia derramei pelas palavras que chorei e em ti não encontraram lugar.
Hoje, muitos anos volvidos num só dia, sei que há palavras anãs. Continuo a escolher palavras para te pintar. Hoje, já não escolho palavras pares…
E nessa taça dourada está o retrato que um dia pintei: não com palavras mas com lágrimas.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

ECOS

“O meu amor da vida está paralisado pelo teu sono. É como a ave no ar veloz detida/ Tudo em mim se cala para escutar o chão do teu regresso.” Sophia de Mello Breyner Andresen
Aos que inauguram Sonhos em nós,

Não sabendo como dizer-te o que calava em mim: chamei-te. Como se chama – delicada e sorridente a forma de pegar nas águas do mar – um amor. Chamei-te como um som acabado de nascer. Um eco que o tempo não guardou: desconhece. Chamei-te e choveu: houve chuva. Muita chuva. Choveu tanto. Tudo molhou.
Choveu sobre a pedra por esculpir e o Vento que nela bateu, desenhou um violino e o som da Chuva tornou-se melodia, neste silêncio da Paixão – ecos do Amor.
O Vento bateu na pedra: desenhou um corpo frio. E mais tarde, muito mais tarde, nasceu o Poema. Tudo por te ter chamado e por ter chovido: um dia. O dia em que chamei por ti e choveu.
E a Chuva dispersou o que calava, tanto, em mim.
Nessa noite: na Noite do dia em que soltei a voz e a entreguei nas mãos do Vento para te chamar, morri. Morri muitas vezes à espera de um Sonho que viesse de repente, me levasse até ti e às escuras dançássemos os dois: numa noite sem luar.
Nessa Noite morri. A minha herança entregou-ta o Vento: o desejo de te falar.
Saibas a minha voz, levada até ti nas mãos do Vento, guardar. Só desta forma o meu Ser poderá para sempre repousar.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Os dias escuros

“Uma pausa, hoje em dia, tem o nome de Morte. (…) A pausa, a espera – como estás longe Eurídice!” Luís Carmelo

Amanheceu escuro. Estranho dia: a noite não se despediu. Não há lágrimas: hoje o orvalho não namorou a Aurora matinal. Estranho dia: o dia não nasceu igual. Dia desigual.
Amanheceu escuro. Tão escuro.
Ao meio-dia, escuro. Muito escuro. A tarde, escura. Sempre escuro. A noite, escura. Sempre tão escuro. Muito. Estranho dia: o dia não nasceu e a noite não morreu.
Um infinitivo: Ser. Um tempo: presente mais-que-presente. Na primeira pessoa do singular: Sou.
Sou o escuro que não desapareceu: o dia que não nasceu e a noite que não morreu.
Sou: respiração crepuscular, descida íngreme. Sou a noite escura do dia, por Ser. Sou. Apenas sou.
Sou a pausa do dia e da noite. Pausa à espera de Ser.
A vírgula entre a noite e o dia.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

PECADO CAPITAL


“A vaidade dos outros só vai contra o nosso gosto quando vai contra a nossa vaidade”.
Friedrich Nietzsche

Não, não é a vaidade no Amor: é a última palavra de Os Lusíadas de Camões.