quarta-feira, 25 de março de 2009

RETRATO


“Era como se a noite toda existisse e descesse sobre aquele corpo que era o centro do mundo.”
Uma casa na escuridão, José Luís Peixoto

Era um sábio: sabia viver. Vivia muito. Todos os seus gestos tinham Vida. Vivia mergulhado nas coisas simples. As coisas grandes da Vida guardava no olhar. Recebia todos os que com ele se cruzavam, de mãos abertas: partiu com o coração cheio de nomes. Não passamos de nomes, números na palma da mão, de alguém ou de ninguém: somos retratos. Somos imagens no jardim do outro.
O Tempo ensinara-o – a mim também – a apreciar um gesto do galo, uma pena de pássaro no chão, um lagar cheio de uvas e a dor das mãos sem autor, mãos vazias, de nomes ausentes.
Um dia gostava de ser como ele: modesto no trajar, humilde no ser, moderado no falar, bom ouvinte mas muito pecador. Dizia-me sempre que um grande Homem tem de ser muito pecador: só ao pecar será o Homem capaz de errar e o valor às coisas grandes da Vida dar.
Todo o Homem sábio é um pecador: poeta da dor, Anjo do Amor ou simples retrato guardado na palma da mão.

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