terça-feira, 24 de novembro de 2009

QUARTETO DE AMOR


O teu nome não mora num dicionário. É a única palavra escrita no cimo das águas, na copa das árvores e na imensa escuridão das florestas. Dela se veste o poeta, eterno morador. O teu nome é o parto mais difícil da humanidade: Amor.
Tu és o som desse quarteto de letras.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

TONS de AMOR


Tenta pintar um mundo bom numa tela dentro do Ser. Colori-la com a cor que cada sonho tem: lutar num mundo, sem tréguas, com a espada fria que mora no desejo quente de Ser o colo de alguém. Encetar riscos numa folha por preencher: folha à espera de crescer ou de quem lhe dê o ser. Cada dia que passa um novo risco hás-de fazer, inaugurando linhas, tortas ou descosidas, ao árduo saber viver.
E na passagem dos dias erguerás estátuas de Sentir, envolverás o teu amar com laços de cetim tentando acalmar o desejo, indigência do sentir, nesta frequência etérea que és.
Farás das sombras, ecos do teu Ser e das vozes que te assombram gestos de bem-querer. Procurarás os becos onde o amor, um dia, se escondeu e de ti se perdeu e nas linhas que o tempo descoseu erguerás o mais belo lugar teu. Guardarás uma âncora de sentidos para que neles um colo qualquer se possa demorar e saiba bem ficar. E na noite serás um oásis perdido num deserto que libertou sentimentos que atam mas não prendem porque quem é proprietário de verdadeiro Sentir jamais hipoteca o amor.

Ainda que sob a forma de tons possas o Amor partilhar. Porque o nobre amar ata, sem nunca prender; liberta como quando se olha uma pintura, dentro do ser, com os olhos do Sentir, nesse lugar de sonhos: coração, folha dos Tons de Amor.

domingo, 19 de julho de 2009

BRISA

Pudesse eu viver outra vida que não esta e já depois de a ter vivido regressar a esta vida sob a forma de brisa que toca a estátua da cidade: acariciando-a com saudade; emociona a viúva: com a abertura do baú das recordações; alegra o arlequim: ávido de sentidos que julgava perdidos ou tão-somente simples brisa desconhecida e anónima que passa nessa enorme praça (vida) entre os demais.
Brisa que se demora no vestido branco deixado na cadeira do jardim que hoje visito, depois de vivida outra vida: vestido de fina cambraia cujas rugas o tempo tatuou como quem tatua corpos famintos e sequiosos de identidade. Como mãos de artista nas vielas estreitas dos instantes de prazer assim a Brisa se demora na tatuagem de cada vinco do vestido há muitos anos abandonado.
Uma brisa que deixa o sabor das emoções de tantas outras vidas, vividas ou sonhadas: realidade ou ilusão dos que se cruzaram na mesma estrada que eu e nos que viajavam, na mesma vida que a minha, em contramão.
São enlaces tudo o que a vida nos oferece. Rostos de dor ou de amor, corações do tamanho da algibeira de cada Sentir. São caminhantes de um mesmo percurso, filhos de um mesmo enleio que nos enguiços da mesma fortuna buscam o Ser do Sentir nas diferentes vidas.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

CIRANDA DA VIDA

“Passem-se dias, horas, meses, anos. Amadureçam as ilusões da Vida. Prossiga ela sempre dividida entre compensações e desenganos.” in Soneto de Aniversário, Vinicius de Moraes

Pintaram as cadeiras, coloriram o chão: o vazio continua.
Partiu o poeta com as cores de azul. Já não há poesia da cor do mar.
Partiu o mestre cirandeiro: ficou o meu pesar.
De cada vez que uma nuvem toca as ondas do mar sinto as percussões de uma dança: a última.
Dança sem par.
Dança sem lugar.
Dança do amante sem par.
Dança do ausente.
Já não há novos hinos: entoem-se os antigos.
Ergam-se vultos: sombras anónimas e sem cor. E do pálido brote um sorriso: hino ao Amor.
Festejem o dia que um Anjo subiu ao céu
e outro ficou na Terra: sem dança, sem par, sem lugar.
Festejem nesta ciranda da Vida: ouçam os versos daquele que o Amor cantou
e ao céu, azul, subiu numa dança sem par
para o seu legado nos ofertar.

Vinicius de Moraes 19 Outubro 1913 / 09 Julho 1980

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Do Outro Lado do Amar

E se pintássemos o Sol de outra cor?
E se de todas as hipóteses retirássemos uma única certeza.
E se de todas as cores que há no mundo não houvesse uma tão perfeita
que não permitisse nem ao pintor nem ao poeta
pintar a palavra Amor
E se o Sol abraçasse a Noite com vontade de querer
um momento tão perfeito
que nem todos os Anjos da Terra pudessem desvanecer…
Tu e eu continuaríamos – ainda que entre tempestades e vulcões em erupção – a pintar
numa tela apenas a palavra Amor.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Cais das Ilusões

Visita o cais das ilusões nessas arcadas do Tempo
Destapa os teus braços
Deixa que voe o pensamento.
Quem pensamentos encerra em si
Fecha gavetas à emoção.
É naufrago da Vida,
Ou simples viajante em contramão.
Deixa que a vela que te acompanha, nunca esmoreça
E que esse vale que a poucos mostras
Jamais o nome maior esqueça…
Saibas que há Vidas desencontradas, histórias que pedem autor… Mundos de encantos verdadeiros onde o dono dos sentimentos comanda a lei do Amor. Acaso viste passar por ti, nessa estrada da Vida, o Grande Rei e teu Senhor? Espreita. Não temas! Abre o coração para o que está ao teu redor porque quem semeia pensamentos e guarda em si sentimentos, colherá fruto com sabor.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Foz: dentro de nós.

Não podemos dizer: “- Aquela pessoa é o demónio.”

Ninguém pode dizer isso de outro. Mas podemos dizer: “ – Às vezes o demónio habita certas pessoas, apodera-se do Sentir como um louco num castelo: tudo é tão grande. Tudo é imenso. Tudo o que não tem valor. Porque todas as coisas pequenas são sementes que brotarão num instante qualquer.” Tudo depende do Sentir e do Ser que enclausura sentidos em si. E às vezes o demónio visita os corpos no auge da solidão. Tirano e enganador vem de mãos dadas e coração aberto com o Tempo: um diabo reconhece e convida sempre outro, quer seja menor ou maior é um demónio. Um demónio nunca passa disso: alimenta-se toda a vida de ódio e pujança.
Às vezes encerramos mundos no mundo que somos, nós… Às vezes cicatrizam as feridas sem a ajuda de pós… E há vezes em que deixamos que morra um bom pedaço da voz que temos em nós.
Tudo isto porque às vezes há vezes em que nos sentimos sós. Mesmo quando somos do rio, a foz.