domingo, 19 de julho de 2009

BRISA

Pudesse eu viver outra vida que não esta e já depois de a ter vivido regressar a esta vida sob a forma de brisa que toca a estátua da cidade: acariciando-a com saudade; emociona a viúva: com a abertura do baú das recordações; alegra o arlequim: ávido de sentidos que julgava perdidos ou tão-somente simples brisa desconhecida e anónima que passa nessa enorme praça (vida) entre os demais.
Brisa que se demora no vestido branco deixado na cadeira do jardim que hoje visito, depois de vivida outra vida: vestido de fina cambraia cujas rugas o tempo tatuou como quem tatua corpos famintos e sequiosos de identidade. Como mãos de artista nas vielas estreitas dos instantes de prazer assim a Brisa se demora na tatuagem de cada vinco do vestido há muitos anos abandonado.
Uma brisa que deixa o sabor das emoções de tantas outras vidas, vividas ou sonhadas: realidade ou ilusão dos que se cruzaram na mesma estrada que eu e nos que viajavam, na mesma vida que a minha, em contramão.
São enlaces tudo o que a vida nos oferece. Rostos de dor ou de amor, corações do tamanho da algibeira de cada Sentir. São caminhantes de um mesmo percurso, filhos de um mesmo enleio que nos enguiços da mesma fortuna buscam o Ser do Sentir nas diferentes vidas.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

CIRANDA DA VIDA

“Passem-se dias, horas, meses, anos. Amadureçam as ilusões da Vida. Prossiga ela sempre dividida entre compensações e desenganos.” in Soneto de Aniversário, Vinicius de Moraes

Pintaram as cadeiras, coloriram o chão: o vazio continua.
Partiu o poeta com as cores de azul. Já não há poesia da cor do mar.
Partiu o mestre cirandeiro: ficou o meu pesar.
De cada vez que uma nuvem toca as ondas do mar sinto as percussões de uma dança: a última.
Dança sem par.
Dança sem lugar.
Dança do amante sem par.
Dança do ausente.
Já não há novos hinos: entoem-se os antigos.
Ergam-se vultos: sombras anónimas e sem cor. E do pálido brote um sorriso: hino ao Amor.
Festejem o dia que um Anjo subiu ao céu
e outro ficou na Terra: sem dança, sem par, sem lugar.
Festejem nesta ciranda da Vida: ouçam os versos daquele que o Amor cantou
e ao céu, azul, subiu numa dança sem par
para o seu legado nos ofertar.

Vinicius de Moraes 19 Outubro 1913 / 09 Julho 1980

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Do Outro Lado do Amar

E se pintássemos o Sol de outra cor?
E se de todas as hipóteses retirássemos uma única certeza.
E se de todas as cores que há no mundo não houvesse uma tão perfeita
que não permitisse nem ao pintor nem ao poeta
pintar a palavra Amor
E se o Sol abraçasse a Noite com vontade de querer
um momento tão perfeito
que nem todos os Anjos da Terra pudessem desvanecer…
Tu e eu continuaríamos – ainda que entre tempestades e vulcões em erupção – a pintar
numa tela apenas a palavra Amor.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Cais das Ilusões

Visita o cais das ilusões nessas arcadas do Tempo
Destapa os teus braços
Deixa que voe o pensamento.
Quem pensamentos encerra em si
Fecha gavetas à emoção.
É naufrago da Vida,
Ou simples viajante em contramão.
Deixa que a vela que te acompanha, nunca esmoreça
E que esse vale que a poucos mostras
Jamais o nome maior esqueça…
Saibas que há Vidas desencontradas, histórias que pedem autor… Mundos de encantos verdadeiros onde o dono dos sentimentos comanda a lei do Amor. Acaso viste passar por ti, nessa estrada da Vida, o Grande Rei e teu Senhor? Espreita. Não temas! Abre o coração para o que está ao teu redor porque quem semeia pensamentos e guarda em si sentimentos, colherá fruto com sabor.